terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Democracia?



Meninos de rua contam como vivem.



Entrevista por Dolores Prunenda Paz
Traducao: Jonathas Silveira
“A desobediência civil é um esporte argentino”
Radicado na Alemanha desde os 70, o autor de “Calamidades” acaba de receber dois dotourados honoris causa no país. Aqui, sua análise da democracia argentina.

“Os modelos de êxito não são misteriosos. Se a Argentina quer ser um país estável e com possibilidade de ascensão, apenas tem que usá-los.” Postula o reconhecido politólogo argentino Ernesto Garzón Valdés, quem visitou o pais para receber o Doutorado Honoris Causa das Universidade De Buenos Aires (UBA) e Palermo. Este filósofo em direito e moral especializado em sistemas democráticos, afirma que na Argentina “ O problema está dentro da própria democracia”. Porque não se respeitam restricões lógicas nem morais, questiona o peronismo como “ a grande fantasia dos argentinos” e afirma que “ na América Latina poucas sociedades são democráticas”.
Garzón Valdés – autor, entre outros ensaios, de Calamidades e o Véu da Ilusão – foi expulso do Ministério das Relações Exteriores em 1974 por questões políticas e, pelo mesmo motivo, dois anos mais tarde teve que abandonar seus postos acadêmicos, razão pela qual se exilou na Alemanha, país onde reside atualmente. Com o retorno da democracia, o presidente Raúl Alfonsin reintegrou este pensador cordobês ao serviço diplomático com o mais alto nível.
Como percebes o momento político político do país?
- É um momento perigoso porque de novo estamos diante de uma grande ilusão política. É óbvio que perdemos a liderança na América Latina e que os países europeus já não nos vêem como uma nação confiável. Brasil é a potencia, “Lula” funciona bem, não aspira reeleição, não coloca sua mulher para candidatar-se a presidente… Há corrupção, é certo, mas isso ocorre em todas as partes do mundo. A realidade é muito mais fácil do que pensamos. A ilusão fecha as possibilidades de crescimento.
Como interpretas a influência disso no eleitorado?
Somos um povo que tem uma grande tendência a iludir-se. As pessoas fantasiam com a realidade, a desfiguram… e quando esta se impõe, se desencantam. Por isso, os argentinos vão de frustação em frustação. O peronismo é uma grande ilusão política argentina. Sempre promete um destino mais favorável. Agrega dados a realidade do país que não correspondem a essa realidade e cria uma enorme ilusão coletiva na qual cada um pensa que alcançará um vida melhor; mas como a descrição é falsa tropeçam ao final e estamos cada vez pior. É uma forma de salvação, aí estão lemas do peronismo “ Argentina potencia “ ou “ Um país justo e soberano”. Nem potência, nem justo, nem soberano. Perdemos nosso norte.
É uma descrição que se ajusta ao conceito de populismo…
- O populismo é um conceito difícil de definir, carrega uma nota negativa, é uma espécie de engano social, de ideologias e promessas fáceis que não serão cumpridas. O psicólogo social francês Gustave Le Bon dizia que as massas, grosso modo, apenas querem ser ditas as palavras que desejam escutar, se não te massacram. O populismo é uma forma de educação do povo na qual se desfigura o sentido crítico ao povo. Onde há verdadeira democracia se anula o populismo. Um sistema baseado em grandes ilusões tem algo de populista. As pessoas, às vezes, gostam disso. O populismo tem algo de totalitário, ambos são um engano. É importante dar-se conta das próprias limitações e praticar a autocrítica. Há países que vivem na permanente autocrítica por que se esforçam em evoluir e avançar, mas os argentinos não são muito afetados pela autocrítica, cremos que as coisas vêm de fora
E como o senhor projeta essa situação no tempo?
- Pouco a pouco, descemos nos escalões de controle e o que em um momento é um escândalo, se vivido diariamente, passa a formar parte da normalidade. A Argentina tem problemas de segurança interna, tem feito da desobediência civil um esporte, isto deveria ser um ato excepcional, como os “sit-in” (sentadas) liderados por Martin Luther King nos Estados Unidos contra o “ apart-hate”. Todos entendiam do que se tratavam. Repudiavam o racismo. O “ piqueterismo” como forma de vida não funciona, é um sistema que corroe-se a si mesmo porque nega a tudo. De tanto piquete que se faz ninguém sabe mais por que estão fazendo e perdem o sentido.
O senhor afirma que na Argentina as leis estão bem e que não é necessário revisá-las…
- A constituição argentina é muito boa, não é cretina, plantea um regime que estabelece democracias e os nossos presidentes não são impostos pela CIA nem por um governo militar, são governos democráticos. O problema é outro: Os sistemas jurídicos paralelos ao sistema promulgado. Se as leis são respeitadas, estamos bem. Isso já é o suficiente para a moral e a honestidade civil. Não há muito que se inventar. No Chile o sistema democrático funciona e não se inventou nenhuma forma nova de democracia. Aplica regras conhecidas: Os modelos de êxito, não são misteriosos, se a Argentina quer ser um país estável e com possibilidade de ascenso apenas deve utilizar-los, estão aí. O problema está dentro da própria democracia. Para que este sistema funcione deve estar sujeito a certas restrições lógicas e morais. Se não conta com esses dois tipos de limitações, estaremos jogando outro jogo. Os condicionamentos lógicos se escrevem no conceito de democracia: por exemplo, que nao se pode proibir a liberdade de imprensa e nem a existência de partidos políticos; enquanto que as limitações morais garantem a liberdade e a igualdade e estão relacionados diretamente com a dignidade da pessoa humana, como a liberdade de culto. Isso há de ser levado a sério. A vida consiste em ter regras de êxito e êxito significa poder solucionar seus problemas satisfatoriamente.
- Qual é, ao seu critério, a diferenca entre as situações da América Latina e Europa?
Sim, tem a ver com a nossa forma de ser que ao fundo, parece que nos diverte. É como quando na escola olhavas para o colega que tirava 10 e dizias: “ Mas estuda, assim não tem graça”…creio que nós argentinos somos um pouco assim. Aqui o mérito está em tirar 10 sem estudar e isso é interpretado como uma dupla vantagem. A diferença está nos valores e nas regras de êxito. O argentino crê que vai ter êxito na vida à margem da lei, tomando certo atalhos. Em outros países pensa-se que é possível ter sucesso cumprindo as normas jurídicas.
Por que pensas que na Argentina assim se vive a democracia?
- Existem muito poucas sociedades democráticas na América Latina. Aqui cada um faz o que quer com suas Constituições e isso é um modelo... Há uma frase de Alejo Carpentier que ilustra muito bem isso, algo assim como que entre nós a teoria sempre se foi da prática e que os homens com colhões não se fixam em papelzinhos. O ser humano quer viver o melhor possível e resulta que aqui a forma de viver o melhor possível é a corrupção, seguem que há países que respeitam o jogo democrático como Chile e Uruguai, onde ganha o partido e sobe o partido. A diferença é que nos países decentes a corrupção é um escândalo e no países indecentes – uma sociedade que não respeita a dignidade da pessoa humana e viola os direitos humanos básicos - é a forma normal de vida.

Um comentário:

  1. "A diferença é que nos países decentes a corrupção é um escândalo e no países indecentes – uma sociedade que não respeita a dignidade da pessoa humana e viola os direitos humanos básicos - é a forma normal de vida."

    Analisando essa afirmação e inserindo o Brasil nesta realidade, chego a conclusão que por aqui o buraco é mais embaixo. Sim, pois por aqui a corrupção sempre é um escândalo e sempre é uma forma normal de vida. Nos meios de comunicação os encândalos de corrupção são manchetes que dão dinheiro e burburinho, no entanto se questionarmos o cidadão médio brasileiro, ele irá responder, mesmo indignado com os corruptos, que ele, se estivesse na mesmo situação, iria fazer a mesma coisa. Ou seja, no Brasil, estamos entre a decência e a indecência. Talvez também vivendo essa ilusão citada pelo entrevistado. Uma ilusão política, uma esperança que nunca morre, mas que quando ferida, parece não gerar tanta indignação.

    É interessante ver outra realidade além da nossa, ajuda até a entender melhor a realidade que a gente acha que conhece. No caso da Argentina, eu creio, as ilusões talvez decorram do fato de que o país sempre teve uma cara meio européia e meio latinoamericana. Querem tirar o 10 estilo europeu, buscando-o no maior estilo latinoamericano.

    Mais uma vez parabéns ao blog, muito pertinente a entrevista e a postagem.

    Valeu e até a próxima!

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